LOST IN TRANSLATION (2003)
- Bianca R. Matos
- 28 de jan. de 2021
- 5 min de leitura

Everyone wants to be found.
Alguma vez se sentiu sozinho mesmo estando rodeado de gente? Uma profunda sensação de isolamento como se nenhuma alma se desse conta da sua existência?; sensação essa que o leva para um precipício de completa perda de identidade e faz com que, na sua mente, a sua função seja apenas observar a vida a passar-lhe pelos olhos como uma flecha em movimento? Certamente que sim. Ora, essa é a plena definição de Lost in Translation, um filme de estilo alternativo realizado em 2003 por Sofia Coppola que tem como principal tema o isolamento e o vazio emocional presente em muitos relacionamentos.
A sua história transporta-nos para o Japão, onde passamos a conhecer Bob Harris, uma estrela de cinema em decadência que viaja para Tóquio para fazer um comercial de uísque, e Charlotte, uma jovem que está hospedada no mesmo hotel como acompanhante do marido, fotógrafo de uma banda de rock. Os dois conhecem-se na sequência de insónias (devido ao fuso-horário) e, desintegrados num espaço que não é deles, rapidamente se refugiam um no outro, encontrando um sentido de fuga e compreensão entre as imensas luzes da cidade.
Os dois protagonistas são dois universos distintos que se encontram ao acaso e criam uma modificação estranha mas acertada, naquilo que se pode chamar uma história de amor. No fundo, a sua relação trata-se de um romance sem quaisquer cenas amorosas, aparte dos seus casamentos desajustados e descartáveis: Bob, casado há 25 anos, sente que o seu casamento não o preenche por completo, ainda que se sinta confortável nele. Afinal, a sua mulher com quem tem dois filhos, envia-lhe faxes para o hotel para dar a sua opinião sobre as cores das alcatifas. Charlotte, por sua vez, sente-se muitas vezes sozinha por ficar muito tempo no hotel enquanto o marido viaja por trabalho, acabando por refletir todas as suas más escolhas feitas ao longo da sua relação. Duas pessoas desconcertadas que rapidamente criam uma conexão e se ajudam mutuamente a combater a solidão.

O aspecto que mais se destaca em todo o filme é talvez a simplicidade. Cenas com pouca ação, poucos diálogos, pouca dinâmica. O que pode ser benéfico para uns e não para outros, como aconteceu no meu caso; sendo eu uma pessoa que sempre valorizou o poder do diálogo, das frases, da dinâmica da fala e das expressões, achei o filme pouco ativo e pouco cativante na grande maioria das cenas. Ironicamente, os momentos com mais diálogos são as que envolvem os japoneses, o que - se pensarmos bem - talvez não seja tão irónico assim. Se traduzirmos o título do filme, veremos que significa "Perdido na tradução". Não quererá a realizadora, que o espectador se sinta tão perdido como os protagonistas?
O local em si foi também escolhido de forma a reforçar a metáfora presente no título do filme, actuando quase como uma personagem secundária. A estrondosa diferença na cultura, no idioma, na gastronomia e no modo de viver é algo muito presente no psicológico de Bob e Charlotte e a grande dificuldade na comunicação é o principal foco que compara o isolamento sentido pela dupla. O ritmo frenético e movimentado com que a cidade exótica se move cria um certo contraste com a estagnação existencial de quem se sente perdido, dando a ideia de como deve ser desagradável a sensação de não compreendermos e não sermos compreendidos. É inevitável não compararmos a sua história ao filme Her (realizado por Spike Jonze, ex-marido de Coppola); ambos com um bom número de semelhanças. Além dos planos idênticos em algumas cenas, os dois filmes partilham de uma atmosfera triste e pesada, com temas conectados como as tecnologias e a solidão. É possível até encontrarmos uma certa analogia entre os protagonistas; e apesar de ter gostado mais de Her, não é coincidência que os dois filmes tenham sido premiados com o Óscar de melhor roteiro original.


Lost in Translation Her
Tanto a banda sonora como a fotografia são duas referências muito interessantes e bem escolhidas, salientando o caráter simples de todo o filme e descartando os efeitos visuais e a sofisticação no vestuário e maquilhagem.
[AVISO: SPOILER]
É curioso notar que na data de realização do filme, Scarlett Johansson tinha apenas 19 anos e Bill Murray tinha 52, podendo gerar controvérsias e afinidades com outras obras, como Lolita ou The Reader; que trazem erotismo a toda a história, ainda que - neste caso - nenhuma cena mostre um único toque amoroso. Na verdade, eu interpretei a relação de Bob e Charlotte como uma forte amizade, e não como uma história de amor. De facto, o ponto mais importante de todo o roteiro é a forma como Sofia mexe com as personagens nas cenas em que eles estão juntos. Ela procurou não representar os gestos clichês dos romances habituais e fez cenas muito singulares (ainda que intensas); como a épica cena do quarto, onde os dois se encontram deitados e - contrariamente ao que se espera - absolutamente nada acontece. Todo o filme está repleto de cenas do mesmo género e o bom de toda a película é que esta deixa-nos decidir livremente o presente e o futuro de toda a narrativa, nomeadamente o tipo de ligação que envolve os dois protagonistas.

Bob, como um homem frustrado, perdido, depressivo e Charlotte como uma jovem esperançosa, curiosa e ingénua, retratados com uma química formidável: a forma como, tanto Scarlett como Bill, incorporaram as duas personagens proporcionou, talvez, umas das melhores performances das carreiras promissoras de cada um. Assim como Coppola, que realizou o melhor trabalho de todo o seu percurso como diretora. Com estas análises, concluímos que Lost in Translation (traduzido dispensavelmente para O Amor é um Lugar Estranho) é, na sua forma mais transparente, um retrato futurista da sociedade globalizada, que se isola inconscientemente na conexão estabelecida com o mundo. E ainda que seja um tanto monótono e até tedioso (pelo menos para mim), é um filme que nos ensina algo de novo sempre que o vemos. E a verdade é que, no meu interior, sinto que nunca vou entender realmente a verdadeira mensagem que se esconde por detrás de cada cena; porque sempre gostei de a desvendar entre diálogos e frases, e não entre expressões e movimentos. Mas é certo que é um filme que representa qualquer homem moderno, cuja vida para enquanto o planeta continua a girar espontaneamente, sem se preocupar se conseguimos aprender algo no meio de tanto tempo perdido a tentar arranjar uma tradução para a nossa própria vida.
Tudo o que consegui retirar; especialmente na cena final, é que, no fundo, todos somos um pouco perdidos. Cabe a nós, apenas, decidir que caminho escolher para nos encontrarmos mais facilmente.

Informação Adicional:
Direção: Sofia Coppola
Elenco: Bill Murray, Scarlett Johansson, Giovanni Ribisi, Anna Faris, Catherine Lambert, Fumihiro Hayashi,...
Género: Drama/alternativo
Duração: 104 min.
Classificação: 7/10
Frase favorita: Let's never come here again because it would never be as much fun.
Trailer: https://youtu.be/W6iVPCRflQM
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