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LION (2016)

Atualizado: 31 de ago. de 2020


Sempre apreciei filmes autobiográficos ou que fossem inspirados em histórias verídicas. Sinto que, até agora, nenhum me desiludiu. Os filmes inspirados em histórias reais tendem quase sempre para o drama, a emoção, as lágrimas. Porque quase todos eles representam histórias tristes. Lion: uma jornada para casa não foi a exceção. É capaz de ser um dos (senão O) filmes mais tristes que alguma vez assisti. Ao mesmo tempo, porém, é também um dos filmes mais bonitos, por inúmeras razões.


O drama conta a história de Saroo, um menino indiano de apenas cinco anos que se perde da mãe e do irmão mais velho, Guddu, e enfrenta grandes desafios de luta pela sobrevivência. Até um dia ser adotado por uma família australiana. Quase 20 anos depois, Saroo não consegue ultrapassar o que aconteceu na sua infância e decide procurar a sua família biológica, através de métodos que vão testar a sua capacidade emocional.


Existem dois filmes em Lion: a primeira parte que reproduz a infância de Saroo na Índia - antes de se perder da sua família biológica - ,a sua luta pela sobrevivência antes de ser adotado e a sua vida, ainda enquanto criança, na Austrália com a sua família adotiva. Já a segunda parte retrata a vida de Saroo passados quase vinte anos, na qual ele aparenta ser um jovem adulto, culto, inteligente, recém-formado. Ao começar a lembrar-se da sua infância logo após um convívio com amigos, inicia a sua busca pela família biológica pouco tempo depois.


Estas duas partes do filme foram bem distinguidas devido, essencialmente às cores e imagens escolhidas. O fotógrafo fez um excelente trabalho relativamente à imagem, destacando em particular a pobreza presente nas minúsculas “casas” indianas, nos transportes, nos "míseros" empregos e até mesmo nas próprias pessoas, revelando imagens idênticas às do filme Quem Quer Ser Bilionário. O realizador pretende igualmente (com sucesso) destacar a pobreza na Índia, transmitindo um olhar verdadeiro sobre todas aquelas crianças indianas que se perdem dos pais, quase todas as vezes, devido às condições do país, acabando por destacar também a bondade/maldade entre as pessoas, nomeadamente no pequeno ator que interpreta Saroo em criança e que revela, com a sua gentileza e inocência um forte potencial. O início de um filme é a maior fonte de cativação por parte do espectador e o pequeno ator, tão jovem e ingénuo, conseguiu cativar qualquer pessoa, mesmo com poucas falas. O seu olhar terno e doce conseguiu captar compaixão da parte dos espectadores, reforçando a parte dramática do filme.




Ainda sobre a imagem, o fotógrafo teve o cuidado de colocar duas paletas distintas conforme o país: enquanto na Índia as cores são mais calorosas, baseando-se nos vários tons de amarelo, na Austrália as cores são mais frias, mostrando tons de azul e branco. Como se os tons calorosos representassem a infância de Saroo, e os tons mais neutros representassem a sua vida após a adoção e consequente início do seu crescimento. Como se a inocência da sua criança interior se desvanecesse com a perda de tons quentes. Além disso, a exploração de planos aéreos dos dois países reforça a ótima fotografia de Greig Fraser.

[AVISO: SPOILER] A banda sonora é extremamente triste, dando um tom ainda mais dramático ao filme com acordes e tons melancólicos do piano, e relativamente a todas as interpretações, destaco sem dúvida a interpretação de Nicole Kidman que conseguiu fazer a personagem Sue Brieley de forma excelente, transmitindo a emoção necessária para nos fazer chorar principalmente na cena entre Sue e Saroo - na qual ela conta que podia ter filhos mas que escolheu adotar para dar uma oportunidade aquelas crianças que não têm as melhores condições para viver. O seu discurso emotivo captou olhares compreensivos por parte do público e, sendo honesta, concordo em certa parte com o ponto de vista de Sue. É igualmente correto e significativo dar uma segunda oportunidade àqueles que não a tiveram anteriormente, seja por terem sido abandonados, por terem perdido os pais à nascença ou até mesmo por se terem perdido da família, como foi o caso de Saroo. Dev Patel, que assumiu o papel de protagonista somente na segunda parte do filme, também se destacou pela sua prestação, embora não fosse tão expressivo como Nicole Kidman ou Sunny Pawar (o pequeno ator que interpretou Saroo em pequeno). O ator, que já era conhecido pelo seu papel em Quem Quer Ser Bilionário, revelou-se uma boa escolha para o papel de Saroo em adulto, apresentando um sotaque australiano quase perfeito. Só não percebi o porquê da sua nomeação para melhor ator coadjuvante quando ele foi, na verdade, o ator principal.





Voltando à estrutura do filme - que é onde se situa os pontos negativos -, a primeira parte está organizada, dando destaque aos detalhes do país asiático que muitas vezes não são mostrados e protagonizando o incrível Sunny Pawar que merecia, pelo menos, uma nomeação, no meio de tantas outras que o filme recebeu. A segunda parte, porém, apresenta algumas falhas no roteiro: Davies acelera demasiado algumas cenas que até mereciam mais relevância e insistiu demasiado em outras que não eram assim tão importantes. Dou o exemplo do irmão adotivo de Saroo, Mantoch, que teve tão pouco tempo de ecrã; o realizador poderia ter mostrado um pouco mais da relação de irmãos. Estas pequenas falhas de roteiro causam uma pequena confusão nos espectadores, podendo até perder a intensidade do trama em alguns casos. Felizmente, este não foi o caso (pelo menos comigo).


Ainda assim, Lion - que foi, na verdade, inspirado no livro A Long Way Home escrito pelo próprio Saroo - tem a capacidade de tocar qualquer pessoa que o assista com a sua história incrivelmente dramática que ainda consegue arrancar umas quantas lágrimas de grande parte dos espectadores. A história de Saroo é de tal forma improvável que chega a ser a história perfeita de cinema. Eu, pelo menos, fiquei de tal forma interessada que cheguei a pesquisar na internet algumas curiosidades adicionais. E falando na internet, acho que a "personagem" Google Earth merece um grande destaque, graças às suas funções, esta história pôde ter um final feliz, dentro daquilo que é possível. E apesar das falhas no roteiro, a parte final foi a mais emocionante de todo o filme, na qual mostrou o reencontro de irmãos: Saroo em adulto e Guddu com a mesma aparência com que ele se recordara. No fundo, um encontro que nunca irá acontecer, o que provoca ainda mais lágrimas. A parte dos créditos, na qual o diretor explica o porquê do nome do filme é genial e a mensagem social que se pretende transmitir é um bom alerta de consciência. No entanto, o mais triste de toda a história é percebermos que Guddu morre exatamente no mesmo dia em que Saroo desaparece. Lembro-me de ter ficado completamente chocada, afinal, o que torna a história ainda mais dramática é o facto desta ser real.




Lion é um filme extremamente emotivo que prende a atenção do espectador do início ao fim com uma história cativante. É um filme que nos ensina a distinguir o lugar onde vivemos no momento do lugar onde realmente pertencemos. É um filme sobre família e até onde é que estamos dispostos a ir por ela. Ensina-nos que, onde quer que pertençamos, devemos estar sempre eternamente gratos por aquilo que as pessoas fazem por nós. A história de Saroo faz-nos ganhar consciência sobre as verdadeiras condições da Índia. Ele teve um final feliz. Existem, porém, milhões de outras crianças que não têm a mesma sorte. É, por isso, um filme que nos faz ter consciência da realidade. Mas mais do que isso, é um filme sobre a determinação e coragem que precisamos ter para encontrarmos os outros e, mais importante, a nós mesmos.



Informação Adicional:

Direção: Garth Davies

Elenco: Dev Patel, Sunny Pawar, Nicole Kidman, Rooney Mara, David Wenham

Género: Drama

Duração: 129 min.

Classificação: 6,5/10

Frase favorita: we both felt as if... the world has enough people in it. Have a child, couldn't guarantee it will make anything better. But to take a child that's suffering like you boys were. Give you a chance in the world. That's something.

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