DETACHMENT (2011)
- Bianca R. Matos
- 22 de nov. de 2020
- 6 min de leitura

"A child's intelligent heart can fathom the depth of many dark places, but can it fathom the delicate moment of its own detachment?"
Desde há alguns anos para cá (mais especificamente desde 1967, ano em que estreou Para o mestre, com carinho) que o cinema tem vindo a apostar mais no conflito entre professor e aluno, mostrando que a educação poderá não estar totalmente perdida se recorrermos a docentes que lecionem, incentivem e inspirem alunos difíceis que - inicialmente - não procuram aprender nem tornar-se em alguém bem sucedido - não só - em termos profissionais, como também (e principalmente) em termos pessoais: O Sorriso de Mona Lisa, Mentes Perigosas, O Clube dos Poetas Mortos, A Onda. São filmes que incorporam a típica história do professor que proporciona aos seus alunos, através das suas aulas criativas, uma diferente perspetiva de encarar as várias advertências da vida. Existem, porém, outros filmes que absorvem o ideal e, através de uma outra abordagem (ainda que um quanto semelhante aos anteriormente referidos), transformam-se em histórias ainda mais profundas e intrigantes que (juntando a outros temas retratados no dia a dia) suscitam muitos questionamentos e que nos fazem pensar na sociedade a que nos estamos a submeter se, inconscientemente, sentirmos a falta da presença de uma figura profissionalmente superior e que, de alguma forma, poderia promover um modo original de analisar o nosso futuro. Detachment é esse filme.
O substituto de que se fala é Henry Bates, um professor que possui o hábito de se apegar a pessoas envolvidas no seu trabalho, nomeadamente aos seus alunos e que, por esse motivo, opta por um trabalho temporário no qual aparece e desaparece de forma súbita sem que se dê por isso. A sua função é então preencher o lugar de um professor numa escola pública, onde os alunos não apresentam qualquer interesse em aprender e os professores não acarretam esperanças nos jovens que a frequentam, demonstrando diariamente a sua desmoralização e frustração perante um ensino completamente degradado. Rapidamente se começa a questionar relativamente aos jovens, perdidos em si mesmos, e a todo aquele mundo alheio do qual passou a fazer parte de forma despercebida; um mundo onde nada lhe afeta, nada lhe comove, nada lhe desperta emoção. À medida que o tempo vai passando, Henry vai-nos dando a conhecer (através do seu ponto de vista) os vários integrantes da sua vida como profissional, parente e Homem - nomeadamente familiares e até mesmo colegas de trabalho que, no seu mais profundo íntimo, se encontram tão perdidos como ele. Assim, a sua missão inicial de não se apegar a algo temporário falha por completo; e o descalabro inicia-se justamente nas cenas em que nos são apresentadas personagens importantes, todas elas mulheres; uma psicóloga frustrada e envolvida na desventura presente no seu local de trabalho, uma aluna acompanhada de um vasto número de inseguranças que a fazem viver numa consciente depressão e que despertam nela pensamentos atípicos para uma jovem da sua idade, e uma lamentável rapariga que se prostituía e cuja vida acaba por ser temporariamente resgatada quando passa a abrigar na casa de Henry.
Dirigido por Tony Kaye (realizador do aclamado American History X), o filme apresenta uma estrutura diversificada de géneros, misturando o formato de documentário, com o tom dramático e os vários flashbacks demonstrados de forma muito inteligente e suficientemente explícita para que o espectador aperceba-se do que está a acontecer. A sua cinematografia é muito completa, recheada de diferentes planos de imagem e cenários amplos com vários contrastes de cores. Gostei imenso da forma como a câmara procurou focar-se somente na expressão facial de Henry nas partes documentadas e os diferentes sombreados de tons avermelhados nessas mesmas cenas, embaçando ligeiramente o seu rosto; bem como o contraste entre o preto e o branco, nomeadamente nos vestuários, nos livros e desenhos e até mesmo na habitação de Henry, cuja decoração é muito baseada em tons brancos, opondo-se à aura negra presente nele mesmo e em todos os outros personagens indubitavelmente melancólicos, sem vida. Juntando ao jogo de cores e aos cenários amplos, a fotografia é magnífica e os diversos planos de imagem, nomeadamente as aproximações repentinas, os cortes breves de cenas e a focagem somente no necessário está feita de forma tão inteligente que dá, de certa forma, um caráter profundamente real e de uma sensibilidade extrema, acrescentando uma banda sonora angustiante e enigmática envolta, essencialmente, nas cenas mais intensas.

E, de facto, não existe palavra mais indicada para descrever Detachment: intenso. Atrevo-me a dizer, aliás, que este foi um dos filmes mais intensos que já tive o prazer de assistir, com cenas de um caráter extremamente sensível e profundo que facilmente nos intriga através das várias questões impregnadas em cada cena, desencadeadas pelos vários tópicos abordados ao longo da película: homossexualidade, prostituição, violência, desigualdade social, suicídio, bullying. São tantos os temas levantados que, por momentos, duvidamos da probabilidade de colocá-los a todos em apenas 100 minutos de filme. Ora, a resposta reside no ponto mais forte do filme (além do seu magnífico roteiro): as personagens. Todas elas diferentes mas com um aspeto em comum: o desespero. O desespero da diretora da escola ao aperceber-se do rumo que os jovens estão a tomar, o desespero da psicóloga ao tomar consciência de que aqueles alunos, sem vida, a caminharem pelos corredores não passam de fantasmas, o desespero dos próprios alunos ao aperceberem-se do futuro que lhes reserva. O desespero na sua totalidade.
Um pormenor que achei muito interessante (ainda relativo à paleta de cores e à fotografia) foi o desenho de Meredith (personagem interpretada, curiosamente, pela filha do diretor) no qual se observava uma sala vazia e um homem sem rosto. Uma imagem tão poderosa e com tanto significado, associada também ao forte final do filme, onde Henry lê o poema The Fall of the House of Usher ( conto que analisa essencialmente os sentimentos de degradação, culpa e solidão) numa sala completamente vazia e que pode ser interpretado de tantas formas. Detachment é um filme de tal maneira impressionante que muitas cenas - a maioria delas silenciosas - podem dizer muito da história que este pretende contar. Há quem diga que a sala completamente destruída representa a escola num futuro próximo, abandonada, simbolizando (de alguma forma) o arrependimento de Henry por não ter conseguido "salvar" os jovens do seu degrado físico e mental. Mas é certo que vivemos num mundo e numa sociedade rodeada do tão discutido "marketing holocaust", termo esse que Henry acredita ter praticado. Na verdade, não é de todo relevante quem é responsável por tal prática, mas sim a constatação de que o mundo está, de facto, detached, desconectado e perdido, onde existe tão pouco amor, compaixão, importância, especialmente nos jovens alunos daquela escola pública.

Detachment é assim um filme repleto de cenas poderosas, de uma intensidade extrema do seu início ao fim e com interpretações esplêndidas que nos fazem perceber o porquê desta ser uma arte tão bonita se for bem representada. Além da fantástica interpretação de Adrien Brody (conhecido pela sua personagem em The Pianist, a sua melhor atuação juntamente com a de Henry Bates), o filme conta com outros atores - ainda que pouco experientes e com uma pequena quantidade de trabalhos realizados nas carreiras promissoras - incorporam personagens fortes e com passados pesados que facilmente nos comovem. Sami Gayle, por exemplo, interpreta uma Erica frágil, inicialmente perdida mas agarrando, gradualmente, esperanças relativamente à sua vida. Ou Betty Kaye, com uma Meredith depressiva, angustiada pelo rumo que a sua curta vida tomou ao conviver diariamente com jovens maus, cruéis que nada de bom lhes ensinaram ao longo da sua infância e adolescência.
É um facto de que é mesmo necessário estar-se mentalmente preparado para se assistir a Detachment. Porque não é um filme acolhedor para se ver em família, não é um filme para ser assistido num convívio de amigos. É sim um filme que necessita de ser assistido essencialmente por pessoas mentalmente estáveis e preparadas para enfrentarem as duas horas mais intensas e profundas do seu dia. Porque Detachment facilmente nos põe a pensar nas várias advertências da vida em cada uma das cenas retratadas, através de um modo extremamente poético e edificante de relatar os conflitos existenciais, não só dos personagens presentes nele, como em todos nós que, no fundo, nos identificamos com, pelo menos, um tema debatido naquelas aulas tão pertinentes e úteis para o nosso conhecimento. É um filme que, sem que demos conta, nos faz questionar a nossa própria existência e o que na realidade estamos aqui a fazer. Qual a nossa utilidade no mundo. Qual a nossa função. Estaremos nós dispostos a encarar, de uma vez, o futuro que nos reserva e a alertarmo-nos de que somos nós que precisamos de fazer algo que o procure mudar? Estaremos nós dispostos a criar um novo modelo social que procure mudar as mentalidades cruéis do jovens da atualidade? E mais do que tudo...estaremos nós alguma vez realmente dispostos a mudar o mundo a que nos submetemos todos os dias? Ou não seremos, no final de contas, os verdadeiros substitutos e indivíduos temporários desta tão sofredora, triste e degradada sociedade?

Informação Adicional:
Direção: Tony Kaye
Elenco: Adrien Brody, Sami Gayle, Betty Kaye, Lucy Liu, Marcia Gay Harden, Christina Hendricks,...
Género: Drama
Duração: 100min.
Classificação: 8,5/100
Frase favorita: To deliberately believe in lies, while knowing they're false. "Oh, I need to be pretty to be happy. I need surgery to be pretty. I need to be thin, famous, fashionable." Our young men today are being told that women are whores, bitches, things to be screwed, beaten, shit on, and shamed. This is a marketing holocaust. So to defend ourselves, and fight against assimilating this dullness into our thought processes, we must learn to read. To stimulate our own imagination, to cultivate our own consciousness, our own belief systems. We all need skills to defend, to preserve our own minds.
Comments