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JOKER (2019)


"That's life

And as funny as it may seem

Some people get their kicks

Stomping on a dream

But I don't let it, let it get me down

Cause this fine old world, it keeps spinnin' around"


Foi na década de 1940, ao observar a ambiciosa carta de um baralho, que três homens criaram um dos vilões mais temidos e apavorantes de toda a origem das histórias aos quadradinhos. Joker, o grande adversário de Batman, que vê divertimento ao matar e tem como principal objetivo distorcer toda a estruturação presente na sociedade, sempre foi muito cobiçado principalmente pela indústria cinematográfica e foi desta forma que sempre o imaginámos. Até chegarmos a 2019, ano em que conhecemos a sua verdadeira personalidade, construída aos olhos de Todd Phillips e que, certamente, nos fez mudar por completo a nossa perspetiva de toda a história à volta dos heróis e vilões. Se formos pensar na carta pela qual Joker foi inspirado, veremos que pode ser importante e desejada em alguns jogos ou completamente dispensável em outros. E esta foi a perspetiva na qual eu me baseei durante todo o filme e que me ajudou a perceber melhor toda a figura atrás do vilão. Porque tão depressa estamos no auge da vida como logo a seguir somos desprezados.


O trama dá-nos a conhecer Arthur Fleck, um comediante fracassado que ganha a vida vestindo-se de palhaço nas ruas da (degradada) cidade de Gotham. Solitário, desintegrado e incompreendido, Arthur é constantemente desprezado pela sociedade que o rodeia, sendo muitas vezes espancado e ignorado por quase todos aqueles com quem tenta interagir. A sua relação com os colegas de trabalho e até mesmo com a sua mãe, Penny Fleck (com quem partilha sentimentos traumáticos) não é muito diferente, provocando muitas vezes no seu interior uma dor imensa através da sua tão característica gargalhada. No fundo, a amargura daquele que fora, em tempos, um sonho, e posteriormente transformada em revolta.


Com uma fotografia gélida e triste (baseada em tons verdes, amarelos e vermelhos), Joker não é um filme como os demais da DC Comics, que se inicia com um grande espetáculo de músicas épicas e figuras glorificadas; e essa é a primeira pista para concluirmos que este não se trata de um filme de heróis e vilões. Na película de Todd Phillips, os heróis fracassam ainda mais que os próprios vilões, o que só realça a tamanha decadência presente nas pessoas, nos dias que correm; seja na mãe que mente ao filho e o sujeita a abusos de todo o tipo, seja no colega de trabalho que entrega o amigo ao descalabro, seja no ídolo de infância que ridiculariza um fã cujo sonho se vê destruído, seja no homem que aclama paz mas que chama de "palhaços" todos aqueles que frequentam a sua cidade ou seja na pessoa que cada um de nós representa e não encontra um instante do seu dia para ser civil. Educado. Humano.


[AVISO: SPOILER]


Um dos aspectos que mais críticas levanta é a relação entre Joker e The Dark Knight. É inevitável não tentarmos criar algum tipo de semelhança, principalmente ao assistirmos à cena do assassinato de Thomas e Martha Wayne no beco (representada tal e qual como imaginado: à saída do cinema com A Máscara de Zorro no cartaz) ou à do encontro entre Arthur e Bruce (que, futuramente, criaria um trauma ao assistir à morte dos próprios pais). Mas a verdade é que passei as duas horas do filme desassociando por completo esta história aos tópicos aparte. As alucinações também são um tema muito representado, nomeadamente nas cenas com Sophie, com quem - platonicamente - possuía uma relação (o que, para mim, foi um dos primeiros impulsos para o brutal abatimento da identidade de Arthur).


Joker é, efetivamente, o reflexo de todos nós, perdidos e incomodados com o rumo da nossa própria realidade, desagradados por ouvirmos verdades da boca de um assassino e indignados por concordarmos com ele. Tudo isto incorporado por um ator cujo potencial é absolutamente soberbo, levando-nos a sentir pena de uma pessoa que jamais compreenderíamos se não soubéssemos da sua história. Joaquin Phoenix revestiu-se na pele de Arthur como se se tratasse de um velho amigo e transitou na de Joker da forma mais humana alguma vez vista, encostando figuras como Robert De Niro a um canto - com quem protagoniza um dos momentos mais brutais de todo o longa e que - literalmente - explodiu a sua mente. Sem esperar o contrário, o filme é dele, independentemente do roteiro bem escrito e de todos os outros pormenores que o complementam. É inevitável compararmos a sua interpretação com a de Heath Ledger, que representou o contrário daquilo que vemos hoje como o verdadeiro Joker.


Uma das características de Arthur é o seu transtorno físico e emocional que lhe provoca ataques de riso incontroláveis, incluindo em momentos impróprios, como na cena do autocarro ou na do metro onde acaba por assassinar os três jovens de Wall Street. Os criadores do filme descrevem esse riso como "tenebroso e angustiante" o que faz com que fiquemos - em certa altura - embaraçados, perguntando-nos se devemos rir com ele ou sentir uma profunda pena ao assistirmos toda a aflição que o protagonista sente ao tentar controlar-se. Joaquin Phoenix chegou a revelar durante uma entrevista que estudou, através de vídeos, pessoas que sofressem desse distúrbio de forma a conseguir fazer o seu papel de forma mais realista; afinal, não é coincidência que as cenas dos ataques de riso tenham sido mais frequentes nos momentos inoportunos.



Além de ter estudado vários tipos de transtorno de personalidade e ter treinado a sua gargalhada inúmeras vezes, Phoenix recorreu a muitos mais métodos para personificar a sua personagem; na verdade, o trabalho que o ator teve durante o tempo de gravações foi inimaginável; consta-se inclusive que sofreu uma dieta propositada, levando-o a perder mais de vinte quilos. Pequenos pormenores que o encaminharam para uma das melhores interpretações de sempre e que o fez, justamente, ganhar o aclamado Óscar de Melhor Ator.


É difícil encaixar todos os tópicos benéficos e prestigiados de Joker numa simples crítica, muito menos comentar todas as cenas que me fizeram arrepiar. O pior de toda a controvérsia não é assistirmos à degradação de um ser humano convertido num monstro, mas sim considerarmos a sociedade tão repugnante e lamentável que faz com que sintamos que esse monstro é aquele que mais merece ser glorificado. É assim que encaro cada cena de Joker. Um filme poderoso e perturbador que faz com que duvide seriamente da veracidade presente naquilo que está à nossa volta e sintamos o nosso psicológico a alterar-se. É assustador presenciarmos o desenvolvimento de Arthur e ainda mais sabermos que ele está certo em tudo o que diz. Acima de tudo, este é um filme sobre pessoas e o quão destroçadas elas ficam ao encarar o mundo a que nos submetemos. Arthur possui, de facto, um pouco de todos nós. Afinal, hoje caímos. E amanhã levantamo-nos, prontos para dançar enquanto concluímos que...é a vida.



Informação Adicional:

Direção: Todd Phillips

Elenco: Joaquin Phoenix, Robert De Niro, Zazie Beetz, Frances Conroy, Brett Cullen

Género: Drama/crime

Duração: 122 min.

Classificação: 9/10

Frase favorita: I used to think that my life was a tragedy, but now I realize, it's a comedy.


I just hope my death makes more cents than my life.

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