GREEN BOOK (2018)
- Bianca R. Matos
- 26 de ago. de 2020
- 5 min de leitura

"So if I'm not black enough and if I'm not white enough, then tell me, what am I?"
A crítica de hoje é de mais um vencedor do Óscar de melhor filme e baseado numa história verídica, igualmente sugerido por um dos meus leitores. Eu tenho uma filosofia de vida que se baseia na grandiosidade e inspiração que as comédias dramáticas me proporcionam ao assisti-las. Sempre apreciei a forma como a maioria dos realizadores de filmes misturam dois géneros tão diferentes um do outro (comédia e drama) de forma tão aprazível. Como é que se liga uma cena humorística a uma cena emotiva de forma tão natural. Como se a comédia conectasse o espectador ao filme em si e o drama trouxesse a parte sentimental para explicitar que na vida os momentos bons e maus complementam-se. Green Book é mais uma comédia dramática. Com alguns pontos negativos que irei referir mais à frente mas com uma história interessante e um tópico que, infelizmente, ainda vivemos nos dias de hoje, constantemente e que, de certa forma, dá a cara ao filme. Por essa razão, senti a necessidade de trazer o tema do racismo para o blog, pois parece que uma parte da população ainda não percebeu a importância que temas como este podem ter para o desenvolvimento (ou não) da humanidade.
Green Book conta então a história real de Tony Lip, um homem brusco e trapalhão de descendência italiana que é contratado para ser o guarda costas e motorista do pianista negro, Don Shirley, ao longo dos dois meses de tour pelo sul dos Estados Unidos (nos anos 60, época segregada pela descriminação racial) sempre guiados pelo Green book, um guia que lhes indica os sítios mais seguros e os sítios a evitar do sul da América, utilizados pelos negros entre os anos 30 e 60. Apesar das diferenças (físicas, psicológicas e sociais), os dois vão desenvolvendo uma amizade ao enfrentar os preconceitos que os assombram em cada paragem.

[AVISO: SPOILER]
E que amizade inesperada, entre um homem negro e um homem inicialmente racista que tem que aprender a lidar com o próprio preconceito. O filme retrata o desenvolvimento da amizade dos dois homens mas, sobretudo, a evolução da personagem Tony, um homem que inicialmente até joga os copos usados por dois negros no lixo em sua casa, dando uma pequena visão da discriminação vivida na época. No entanto, o realizador, Peter Farrelly, mostra uma visão pouco realista do racismo vivido especialmente no sul da América, procurando centrar-se mais na amizade entre os dois homens que, com o passar do tempo, vão desenvolvendo uma ligação inesperada; a sua amizade e a forma de relacionamento fez-me até lembrar a relação de Driss e Phillippe de Amigos Improváveis, por serem dois homens tão diferentes um do outro e se conectarem de uma forma tão inesperada e rápida. Assim, o filme aborda os temas em questão de forma muito suave, sem que seja necessariamente uma coisa má.
O ponto alto do filme é, na minha opinião, o tema "base" e o elenco. O facto de o tema principal ser a descriminação cativa automaticamente o público por se tratar de um assunto que ainda é vivido nos dias de hoje e ainda não ser completamente aceite. O sentimento de aceitação continua a não ser sentido por muitas pessoas e é isso que causa tanta revolta. Dessa forma, o tema principal do filme, juntando ao facto de o próprio Don não se sentir aceite nem por negros nem por brancos também pela sua homossexualidade, apela de forma automática para a emoção. O elenco é igualmente um ponto forte do filme, Viggo Mortensen (o eterno Aragon de Senhor dos Anéis) e Mahershala Ali (que ganhou, inclusive, o Óscar de melhor ator secundário pela segunda vez) formaram uma boa dupla, com evoluções notáveis e atuações carismáticas. Ambos conseguiram conciliar e distinguir muito bem a parte cómica da dramática, tornando a viagem mais interessante. A química entre os dois também contribuiu para o bom desenlace da história. A história em si é, no entanto, demasiado previsível e os tópicos que poderiam ser representados com mais intensidade, revelaram-se muito leves para o potencial que o filme poderia ter tido se Farrelly tivesse procurado desenvolver mais o ponto principal e as suas consequências. O final, assim como o desenvolvimento do filme, é previsível, tinha esperança que acabasse de forma diferente e o filme, contrariamente a outros filmes vencedores do Óscar, não me conseguiu prender do início ao fim. É um filme que me fez olhar umas quantas vezes para o relógio para ver quanto tempo faltava para terminar, não por se tratar de um filme massudo ou tedioso mas porque o realizador aprofundou em demasia algumas cenas e esqueceu o desenlace de outras. Desta forma, o ponto fraco da película é sem dúvida o roteiro e a sua direção, sendo esse o motivo de tanta polémica à sua volta. Porém, para quem só realizava comédias simples, Farrelly não esteve mau de todo, afinal, nunca é demais experimentar coisas novas e diferentes do habitual. Ainda tem muito que trabalhar mas a sua evolução é notória.

Ainda assim, e apesar de todos estes erros de direção, o filme tem um bom número de cenas divertidas e interessantes de serem vistas. Gostei de assistir às viagens de carro de Tony e Don nas quais se pôde reparar nos traços que os facilmente distinguiam mas que no fim acabaram por os complementar, assim como as cenas da redação de cartas para Dolores, esposa de Tony, nas quais Don dava umas dicas mais românticas. A banda sonora também foi um ponto alto do filme; não que chamasse muito a atenção do espectador mas relacionava-se com a época da história, trazendo clássicos de rock n' roll e soul, sendo esse um ponto importante. Um filme que mostra os dotes de Mahershala para o piano, tocando peças alegres e dinâmicas. A imagem também está ótima, toda a película possui cenários amplos com várias cores, demonstrando - à medida que o tempo vai passando - a transição dos meses do ano até ao Natal, através das folhas das árvores, do estado do tempo e das próprias ruas.
Agora que já assisti ao filme, acabo por concluir que o meu erro foi ter depositado demasiadas expectativas em tópicos que não foram abordados e ter criado uma outra história na minha cabeça antes sequer de ter lido a sinopse. Porque Green Book não é um filme que se encaixe nos padrões-base de Hollywood (sem que isso seja necessariamente uma coisa negativa!) e foi isso que provavelmente causou estranheza em mim e a muitos outros espectadores. Afinal, a tese central acabou por ser abordada, mas não pela forma como eu esperava. Em termos cómicos, o filme está bem representado, cenas divertidas e agradáveis mas é nas partes dramáticas que o filme sofre mais e foi isso que o tornou mais monótono. No entanto, não são esses pontos negativos que vão tirar ao espectador o prazer de o assistir, uma vez que este acaba por providenciar um tempo bem passado em frente à tela. Ele acaba por atingir os seus objetivos de forma segura e firme: tornar-se um sucesso comercial e vencedor de inúmeros prémios. É, sem qualquer dúvida, a prova de que não é preciso realizar filmes extremamente elaborados e com histórias exageradamente profundas para se tornar num êxito. E ainda que não faça parte dos meus favoritos de 2018, é um filme que vale a pena ser assistido.

Informação Adicional:
Direção: Peter Farrelly
Elenco: Viggo Mortensen, Mahershala Ali, Linda Cardellini
Género: Comédia dramática
Duração: 130 min.
Classificação: 7/10
Frase favorita: You never win with violence. You only win when you maintain your dignity.
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