CINEMA PARADISO (1988)
- Bianca R. Matos
- 8 de nov. de 2020
- 6 min de leitura

"Cinema should make you forget you are sitting in a theater." - Roman Polanski
É uma verdade universal que o cinema é a arte que melhor exerce o poder sobre as emoções humanas. A magia transmitida em cada filme e em cada cena é inexplicável e o seu caráter real (mas fascinante) inspira milhões de pessoas ao redor do mundo, proporcionando risos, choros mas - acima de tudo - sonhos. Porque, na verdade, é disso que a sétima arte é feita: de sonhos, que nos motivam a incorporar a melhor versão de nós mesmos. Sem o cinema, o mundo certamente não seria o mesmo, e é por esse motivo que hoje trago para o blog uma das mais belas homenagens alguma vez feitas ao mundo cinematográfico - Cinema Paradiso, um clássico italiano que nos remete para o passado, onde não havia plataformas como a Netflix, não existiam trailers no Youtube, e muito menos efeitos especiais e sonoros a que nos submetemos atualmente para proporcionar uma certa artificialidade ao filme. Em Cinema Paradiso, todas cenas são reais até ao mais pequeno pormenor, desde os vestuários aos cenários.
O filme leva-nos a uma Itália nos anos 50, numa vila rural e conservadora onde todo o tipo de pessoas (pobres, ricos, bêbedos, malucos, jovens e idosos) se juntava para se refugiar no mundo das películas do velho oeste, romances melodramáticos italianos ou comédias de Charles Chaplin, projetadas através de uma cabeça de leão para o velho ecrã da antiga sala tão bem frequentada. É nessa sala que conhecemos Alfredo, o velho projetista e Toto, o menino que se apaixona pelo cinema ao conhecer o mundo por de trás da plateia, ajudando Alfredo a projetar os filmes e desenvolvendo uma forte e bonita amizade que nos transportará pelos vários anos do crescimento, não só das personagens, como da própria aldeia que tanto vai mudar desde então.
[AVISO: SPOILER]
Em termos de enredo, a narrativa é muito simples, mas não menos cativante: uma Itália antiga, derrotada após o fim da segunda Guerra Mundial, é descrita através do quotidiano dos habitantes da aldeia Sicília como um sítio agradável e acolhedor para se viver, centrando-se essencialmente na amizade dos dois protagonistas e na sala de cinema. Através da doce inocência no olhar de Toto, conhecemos personagens interessantes, como o bêbado, o padre, o fundador do Novo Cinema Paradiso e o próprio Alfredo que demonstrou ser sempre um amigo tão fiel e bondoso (apesar do seu feitio, por vezes, difícil). Ao mesmo tempo que conhecemos as diferentes personagens secundárias, acompanhamos o crescimento e (consequente) amadurecimento de Toto: o seu primeiro amor, a sua mudança para a cidade e todas as advertência da vida que fazem com que nos apercebamos do quão rápido o tempo passa sem que sequer demos por isso. E aquela que, inicialmente, se pensa ser uma história banal e comum, facilmente se transforma numa magnífica obra de arte, cheia de lições de moral que atinge os lugares mais profundos do nosso íntimo emocional, relembrando memórias do passado e momentos felizes da nossa infância. No fundo, é um filme que nos faz sentir nostálgicos daquilo que, na verdade, estamos apenas a assistir e a presenciar através de um ecrã, comovendo-nos de uma forma inconcebível.

O ponto alto do filme, além da sua capacidade em fazer vir ao de cima emoções fortes que nos tocam e comovem, são as personagens, incrivelmente bem desenhadas e com passados fortes, que possuem os filmes como escape aos percalços da vida. Alfredo é uma dessas personagens, um homem frustrado com o rumo que a sua vida tomou a arrependido das suas escolhas que o levaram ao lugar de projetista de películas. E até mesmo Toto, um futuro adulto angustiado pelas escolhas feitas ao longo do seu crescimento.
Em termos técnicos o filme está excelente, sem quaisquer erros visíveis ou até mesmo escondidos nos diálogos ou no cenário. A banda sonora é incontestavelmente uma das minhas favoritas de sempre, com uma melodia encantadora e emotiva, ouvida nas cenas e nos diálogos certos. Ennio Morricone (um génio musical!) desenvolveu uma tarefa esplêndida em todos os seus trabalhos sonoros, mas o trabalho desenvolvido em Cinema Paradiso é, sem sombra de dúvida, o seu mais bonito, repleto de faixas melancólicas, nostálgicas e emocionantes, com uma delicadeza rara, atuando - por si só - como uma personagem e impulsionando a plateia ao choro. Em termos visuais, por sua vez, nota-se a ausência de quaisquer efeitos de filmagem, reforçando o caráter real do filme, com uma fotografia lindíssima, cheia de paisagens da aldeia Sicília. De facto, toda a sua história é tão simples e real que nunca em nenhuma cena se sente a necessidade de algum efeito especial. Cinema Paradiso é assim a prova de que "menos é mais".
Assim, com todos estes aspectos referidos, conclui-se da forma mais bela que Cinema Paradiso é um filme extremamente triste. Um filme no qual a tristeza está inserida de forma constante em todas as cenas, seja na morte de Alfredo, na despedida de Helena, (uma personagem tão importante mas cuja relevância se perde com o passar dos anos), ou até mesmo na mudança de Toto para a cidade. No entanto, se há coisa triste neste filme, é vermos o brilho no olhar de Toto desaparecer à medida que a sua criança interior se vai desvanecendo juntamente com todas aquelas lembranças, em tempos, vivas nas memórias de toda a aldeia que, ao invés de envelhecer, se vai tornando cada vez mais moderna, matando lentamente os resquícios de cinema antigo; a evolução das salas de cinema, das cadeiras, da tela, do modo de projeção. No fundo, a perda da magia.
Existe uma frase no filme The Breakfast Club que se adequa perfeitamente à história deste filme - e nada melhor do que juntar os dois filmes da minha vida numa só crítica. "Quando crescemos o nosso coração morre". Em Cinema Paradiso, esta frase é incorporada de tal forma que até o próprio espectador sente o brilho no seu olhar abafar à medida que o tempo vai passando. Tal brilho revela uma grande importância particularmente no final do filme, a cena mais linda e emocionante de toda a história da sétima arte, na qual existe uma deliciosa mistura de tristeza e felicidade e que sempre me faz chorar. Creio que a razão resida especialmente nas nossas próprias memórias de infância que tantas saudades nos deixam e nos fazem absorver o desejo íntimo de voltarmos atrás no tempo, nem que seja para nos relembrarmos de que um dia fomos genuinamente felizes. Por outro lado, a cena final levanta uma série de questões. Seremos nós felizes como fôramos outrora? Quais foram os acontecimentos que nos tornaram na pessoa que somos hoje? Retornar ao passado será apenas uma atitude nostálgica ou, na verdade, um escape à nossa vida atual?

Todas estas não passam de questões retóricas que nos fazem pensar em nós e nas nossas memórias. E é um facto que a junção entre amor e lembranças é de uma natureza extremamente complexa que nem todos conseguem compreender e conectar às suas vidas correntes. Mas também é um facto que são essas mesmas lembranças que definem a pessoa que somos hoje.
Assim, e (finalmente) concluindo esta longa - mas importante - crítica, Cinema Paradiso é uma das mais belas obras primas alguma vez realizadas na história deste mundo mágico que eu tanto aprecio, repleto de elementos essenciais ao nosso crescimento como cinéfilos, mas acima de tudo, como pessoas. É um filme que me faz agradecer - genuinamente - ao meu ex-professor de história por me ter recomendado um filme que precisa (!) de ser assistido por todos - principalmente por aqueles que se encontram perdidos na criança que foram e no adulto que são hoje. É um filme sobre um amor que não volta mas que nunca morre. É um filme sobre a importância da arte e da influência que esta possui em nós mesmos. Mas mais do que isso, é um filme que me faz ter o mais puro e genuíno orgulho de dizer que sou amante da sétima arte - e estou completamente segura de que não existe homenagem mais bela e valiosa do que esta. Porque "o cinema não é apenas para ser visto. É para ser vivido."

Informação Adicional:
Direção: Giuseppe Tornatore
Elenco: Salvatore Cascio, Phillippe Noiret, Marco Leonardi, Jacques Perrin, Agnese Nano...
Género: Drama
Duração: 124 min.
Classificação: 10/10
Frase favorita: Living here day by day, you think it's the center of the world. You believe nothing will ever change. Then you leave: a year, two years. When you come back, everything's changed. The thread's broken. What you came to find isn't there. What was yours is gone. You have to go away for a long time... many years... before you can come back and find your people. The land where you were born. But now, no. It's not possible. Right now you're blinder than I am.
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