BEFORE SUNRISE (1995)
- Bianca R. Matos
- 8 de ago. de 2020
- 5 min de leitura

Um romance para realistas - Richard Linklater
Decidi aproveitar o facto de estar de férias em solo europeu para falar de um filme que engloba o tema "viagens". Porque viajar é uma das melhores terapias que o ser humano pode fazer e é uma das mais ricas e cultas formas de adquirir conhecimento. E nada melhor do que o adquirir junto de um novo parceiro. Jesse e Celine partilhavam a mesma opinião.
Estava a tentar não colocar de forma tão precoce uma crítica de um romance. Mas acho que tenho uma desculpa suficientemente válida: este não é um romance qualquer. Não é comum, não tem mortes no final, não tem beijos à chuva, não tem qualquer vestígio clichê ao longo da sua narrativa. E é por essa razão que Before Sunrise (Antes do Amanhecer, em português) é o meu romance preferido e um dos filmes da minha vida ("um dos" porque não quero tirar o mérito ao The Breakfast Club) - porque é talvez o romance mais realista que já tive o prazer de assistir.
O filme conta a história de Jesse, um rapaz americano e de Celine, uma jovem francesa que se conhecem casualmente num comboio em direção a Paris. No dia seguinte, o ele voltará para a América, tendo um voo marcado e ela voltará para Paris. Todavia, os dois jovens iniciam uma conversa de tal modo inspiradora que acabam por fazer escala em Viena para se conhecerem melhor e esperarem para ver o que o destino lhes reserva. Essa escala dura até ao amanhecer do dia seguinte.
O filme faz parte de uma trilogia, que durou no total dezoito anos (e que eu vi toda de uma vez só...), retratando de uma forma muito natural duas pessoas que se conhecem e passam o dia conversando enquanto passeiam pela bela e romântica cidade de Viena. Com isto, quero realmente dizer que o filme é, na sua forma mais realista, uma hora e quarenta e cinco minutos seguidos unicamente a conversar de forma muito casual, o que torna este romance, na minha opinião, tão único e especial.
[AVISO: SPOILER]
Ao ler somente a sinopse, o espectador pode ter uma ideia errada do filme, afinal, um filme que reproduz duas pessoas a conversar pode parecer tedioso ou maçador. Porém, os diálogos são tão cativantes, tão absorventes e tão apaixonantes que a pessoa não tem tempo para se sentir aborrecida. Os temas abordados ao longo da narrativa são muito interessantes, e é agradável assistir ao ponto de vista de cada um, sendo eles duas pessoas tão diferentes. Jesse é um jovem que terminou recentemente um relacionamento e possui uma visão fria e insensível das coisas (ou talvez esteja, secretamente, à procura de algo que o faça sentir "vivo" de novo) enquanto Celine é uma rapariga com uma personalidade forte, determinada e muito culta. No entanto, eles acabam por se complementar no meio de várias longas e envolventes conversas, tendo consciência de que aquele é o primeiro e o último dia em que se vão ver.

O filme possui cenas incríveis, transmitindo a química entre os dois personagens principais. De facto, Ethan Hawke e Julie Deply conseguiram protagonizar de forma encantadora os dois protagonistas, não só em Before Sunrise, como em toda a trilogia, transmitindo a grande afinidade que os envolve. Uma das cenas mais conhecidas é o famoso telefonema, na qual os dois estão num restaurante e fingem estar no meio de um telefonema com os seus amigos. Nessa conversa, eles contam tudo o que tem acontecido nos últimos dias, não excluindo, claro, o dia em que estão juntos, contando o que eles realmente pensam um do outro. A cena está incrível, adoro o modo como eles estão envergonhados por estarem finalmente a desvendar aquilo que sentem.
Uma das minhas cenas preferidas é a do poema. Nessa cena, Jesse e Celine estão a passear numa zona junto ao rio e encontram um jovem austriaco que lhes lê um poema - supostamente - escrito por ele. E que maravilhoso poema. Os versos escritos naquele pedaço de papel embelezam ainda mais o filme em si e dão um toque poético à narrativa. Como se, de repente, a cidade de Viena fosse ainda mais bonita. E esse foi também um dos pontos que eu achei agradável relativamente ao filme em si. Gostei da forma como todos os lugares de Viena visitados (que eu nao resisti e tive que os ver com os meus próprios olhos quando lá estive!) foram representados, principalmente nas cenas finais, nas quais eles encontravam-se, na sua maioria, vazios. Como se aquele lugar fosse deles, desse momento para a frente. Como se aqueles pontos específicos visitados pertencessem somente a eles e à sua curta história de amor.

A magia deste filme não se prende nas atrações físicas ou nos estatutos sociais de cada um, mas sim nos diálogos e nas ideias transmitidas em cada cena, onde eles partilham opiniões, factos, histórias de vida. O ponto alto do filme é, sem dúvida, toda a conversa desenvolvida ao longo da narrativa (vai ser muito complicado escolher uma frase preferida) principalmente nas cenas mais íntimas. Gostei do pormenor da ausência de banda sonora nessas mesmas cenas, transmitiu uma ideia de simplicidade, como se aquele momento fosse só deles e fosse tão forte, que nem uma música conseguiria estar encaixada nele. É por essa razão que é tão difícil para mim, e possivelmente para todos os espectadores, escolher o momento mais marcante. Porque todos os momentos foram marcantes, todos os momentos foram especiais para o desenlace da história. Richard Linklater foi formidável na realização do filme. É a prova de que filmes com somente dois personagens, filmados quase com o mesmo plano visual e apenas a conversarem também podem ser tão, ou mais, especiais do que os outros romances.
Linklater conseguiu criar um dos mais belos e aprazíveis romances de toda a história do cinema, bem como os diálogos mais brilhantes e engenhosos. O que mais me atrai no filme é precisamente o facto de este ser um romance totalmente diferente dos outros comuns. É um romance que faz com que nos questionemos relativamente à nossa capacidade céptica ou ingénua de encarar as coisas. Adoro tudo neste filme, principalmente o modo como a visão realista dos factos não estraga nem um pouco a maravilhosa história de Jesse e Celine. E o que me deixa ainda mais aliviada é o facto de toda a trilogia ser assim: é incrível ver como Before Sunset e Before Midnight não perdem a essência captada no primeiro filme. E o que faz de um filme uma verdadeira obra de arte é, sem sombra de dúvida, a sua capacidade em nunca perder a sua verdadeira essência.

Informação Adicional:
Direção: Richard Linklater
Elenco: Ethan Hawke, Julie Deply
Género: Romance
Duração: 105 min.
Classificação: 8/10
Frase favorita: I always feel this pressure of being a strong and independent icon of womanhood, and without making it look my whole life is revolving around some guy. But loving someone, and being loved means so much to me. We always make fun of it and stuff. But isn't everything we do in life a way to be loved a little more?
NOTA: Decidi colocar o poema escrito pelo poeta austríaco de rua, porque acho que todos deveriam ler. Mesmo aqueles que possuem uma visão mais céptica do amor.
Daydream delusion, limousine eyelash / Oh baby with your pretty face / Drop a tear in my wineglass / Look at those big eyes / See what you mean to me / Sweet-cakes and milkshakes / I'm a delusion angel / I'm a fantasy parade / I want you to know what I think / Don't want you to guess anymore / You have no idea where I came from / We have no idea where we're going / Lodged in life / Like branches in a river/ Flowing downstream / Caught in the current / I carry you / You'll carry me / That's how it could be / Don't you know me? / Don't you know me by now?
E o que me custou achar a “famosa” ponte.
Descreves todos os momentos com uma escrita que vai muito além da tua idade, e maturidade.... é bom e sabe bem ver que escreves o que sentes, e sentes o que escreves de uma maneira simples, realista e apaixonada!!!
Well done 👍🏼